Quem nunca participou de uma aula monótona em que o conteúdo não se conecta com a realidade, e o professor acaba tendo dificuldade de transmitir a mensagem que gostaria aos alunos?

Mesmo sendo uma realidade que gostaríamos muito de evitar, ainda pouco se discute sobre o porquê, muitas vezes, acaba se formando um abismo entre os conhecimentos que o professor possui - e deseja oferecer aos seus estudantes - e a assimilação e interpretação desse aluno.  

Segundo a professora Maria Isabel Cunha, o Brasil é um país que, historicamente, evidencia muito mais o conhecimento focado em pesquisa, ou seja aquele específico sobre alguns assuntos, e acaba por diminuir ou minimizar a importância dos conhecimentos pedagógicos.

“Em geral, os professores universitários não possuem uma formação pedagógica voltada para o processo de ensino-aprendizagem na educação superior, o que pressupõe que o sentido atribuído ao fazer docente, no que diz respeito às competências pedagógicas e aos elementos que constituem a atividade de ensino, como a organização da aula, o planejamento, as estratégias didáticas, as especificidades da relação professor-aluno e o processo de avaliação, são desconhecidos teoricamente e pouco valorizados por esses profissionais.”

Por mais que o cenário que citamos no início desse artigo seja efetivamente recorrente no ensino superior, existem sim formas de superar esse desafio utilizando de metodologias de aprendizagem. Uma delas, que será o tópico principal desse artigo, é a sequência didática.

O que é a sequência didática?

Muito se fala sobre as possibilidades infinitas que o professor tem para conduzir as aulas e “ganhar” cada vez mais os seus alunos. Uma dessas ferramentas é, justamente, a sequência didática, que auxilia no desenvolvimento de um ensino e aprendizagem mais significativo e memorável.

De forma geral, é um método para abordar um conteúdo específico de forma mais estruturada e progressiva, buscando envolver os estudantes ativamente no processo, incentivando a reflexão, análise, questionamento e construção de sentido a partir das próprias vivências. É uma estratégia pedagógica que organiza as atividades verdadeiramente como uma sequência, um passo de cada vez, a fim de estimular essa construção articuladamente.

Segundo o psicólogo e um dos mais reconhecidos estudiosos sobre o universo da educação, Jean Piaget, a sequência didática pode ser definida como:

“Uma estratégia de ensino que permite a construção do conhecimento pelos estudantes, por meio de uma organização lógica e progressiva das atividades, promovendo a aprendizagem significativa."

Autonomia e Diversidade

Tornar o aluno protagonista do seu próprio processo de ensino e aprendizagem é, sem dúvidas, um dos grandes desafios da educação superior, não apenas por precisar deixar de lado o tradicionalismo - aquela educação mais engessada - mas também porque, por vezes, o professor não têm recebido as capacitações necessárias para conhecer todas as possibilidades pedagógicas.

E falamos isso justamente porque a sequência didática é uma excelente opção para adotar no currículo da disciplina, afinal ao permitir que se crie um passo a passo bem estruturado mas que aceite atualizações e modificações no percurso, o aluno sabe muito bem onde o conteúdo se inicia, têm seu ápice, e finaliza. Dessa forma, consegue ter um maior controle tanto sobre o que aprenderá em sala de aula, quanto de seus estudos em casa.

Essa ideia pode parecer super recente, mas todo o contexto de tornar o ensino algo marcante e memorável para o aluno têm sua teoria remontando aos anos 1960, quando o psicólogo e educador norte americano David Ausubel publicou pela primeira vez a sua Teoria da Aprendizagem Significativa.

Segundo o pesquisador, a aprendizagem ocorre quando as novas informações são relacionadas de forma não arbitrária e substantiva com conceitos ou ideias relevantes já existentes na mente do aluno. Ele enfatizava que a estruturação hierárquica dos conteúdos, ou seja, uma apresentação organizada que se inicia pelos conceitos mais gerais e vai afunilando progressivamente, facilita a assimilação, compreensão e construção da rede de conhecimento por parte dos alunos.

Ausubel, por mais que não tenha discutido efetivamente utilizando o termo “sequência didática” traz esse conceito bastante claro em sua teoria, principalmente quando pensamos que a sequência pode ser um caminho estratégico para atingir a aprendizagem significativa, fornecendo aos alunos essa progressão lógica e coerente das informações.


Como usar a sequência no ensino superior

Outro pesquisador que foi essencial na difusão dos conceitos da sequência didática foi o espanhol Antoni Zabala, nome de alto prestígio nas temáticas relacionadas à didática e planejamento educacional. Para ele, a elaboração de uma sequência deve ser planejada de forma muito cuidadosa e sempre considerando os conhecimentos prévios dos estudantes, assim como os recursos possíveis para uso e os métodos pedagógicos mais adequados.

Com base nisso, ele elabora alguns princípios básicos e fundamentais para ser utilizados pelo professor na elaboração da sequência didática:

  • Começar identificando o conhecimento prévio dos alunos: O professor precisa descobrir o que seus alunos já sabem, suas referências e preferências, para assim conseguir estabelecer conexões entre os alunos e o conteúdo a ser aprendido. Isso ajuda a tornar a aprendizagem mais significativa e criar uma base sólida para a construção de novos conhecimentos.
  • Diversificar as atividades ao máximo: Quanto mais variadas forem as atividades e estratégias utilizadas pelo docente, mais ativamente envolvidos estarão os alunos. Aproveite as inúmeras possibilidades do ensino superior e explore pesquisas, debates, saídas de campo, projetos multidisciplinares, experimentos e etc.
  • Tenha os feedbacks como seus maiores aliados: Durante a sequência é muito importante fornecer feedbacks constantes aos alunos, com foco em orientá-los do progresso, onde existe possibilidade de melhora e quais os pontos fortes e fracos.
  • Relacione o conteúdo com a realidade: Trazer determinado conteúdo para um contexto familiar, com situações reais e significativas, ajuda a tornar a aprendizagem mais relevante e facilita a assimilação da temática em diferentes realidades.

Na pesquisa Sequências Didáticas como Recurso Pedagógico na Formação Continuada de Professores, as autoras Vanusa Maroquio, Maria Auxiliadora Paiva e Camila Fonseca se debruçam sobre essa teoria de Zabala a fim de usá-la como base para a criação de uma sequência didática e de conteúdos focada na aprendizagem do professor. Elas explicam que na abordagem dos conteúdos, Zabala sugere três categorias: atitudinais, conceituais e procedimentais.

A primeira, os conteúdos atitudinais, referem-se à formação de “atitudes e valores em relação à informação recebida, visando à intervenção do aluno em sua realidade na concretização de ações, na reflexão sobre a própria atividade e no seu desenvolvimento em contextos diferenciados.”

Já os conceituais são direcionados à construção de capacidade de interpretação de símbolos, signos e ideais para organizar as realidades. Em outras palavras, incentivar os alunos não apenas a reconhecer determinados conceitos, como também utilizá-los na resolução de conflitos e situações adversas da realidade.

Por fim os conteúdos procedimentais referem-se ao conjunto de ações coordenadas dirigidas para a realização de um objetivo.

“São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, etc. Para Zabala, os conteúdos procedimentais são todos os conteúdos de aprendizagem que se enquadram na definição de ser um conjunto de ações ordenadas e dirigidas para um fim.”


Exemplo de sequência didática e sequência de conteúdos por Zabala

Como mencionamos acima, Antoni Zabala foi um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento e disseminação da teoria de sequência didática na educação. Em seus estudos, principalmente em A prática educativa, Zabala traz alguns exemplos de construção de sequências didáticas para a abordagem de conteúdos segundo cada categoria (atitudinal, conceitual e procedimental).

A sequência que apresentaremos aqui, criada por Zabala, usa-se de conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais em quase todas as etapas e atividades da sequência, possibilitando que sejam utilizados uma série de abordagens como debates, diálogos, trabalhos em pequenos grupos e etc.

“Ao mesmo tempo, encontra-se em uma série de conflitos pessoais e grupais de sociabilidade que é preciso resolver, o que implica que devam ir aprendendo a ser de uma determinada maneira: respeitosos, rigorosos, cooperativos e tolerantes.”

Neste sequência veremos que aparecem conteúdos das três categorias e a avaliação final é o resultado de todas as observações feitas durante a unidade; Espera-se, então, segundo Zabala, que ao final da sequência os alunos “saibam fazer questionários, investigações, entrevistas e etc, e que cada vez mais sejam tolerantes, cooperativos e organizados”.

Seguimos, então, para os passos da sequência:

  1. Apresentação por parte do docente de uma situação problemática relacionada com um tema: Desenvolve-se esse tema em torno de um fato ou acontecimento, destacando os aspectos problemáticos e os desconhecidos aos estudantes. Os conteúdos abordados no tema podem ser desde um conflito social ou histórico, até as diferenças de interpretação de obras artísticas, teorias, fenômenos biológicos e explicações científicas.
  2. Proposição de problemas ou questões: Os alunos, coletiva e individualmente, dirigidos e auxiliados pelo docente, expõem suas respostas e percepções sobre cada um dos problemas propostos.
  3. Proposta das fontes de informação: Os alunos podem propor quais as fontes de informação que acreditam ser mais adequadas no contexto do tema, como uma pesquisa bibliográfica, uma experiência, uma observação, etc.
  4. Busca da informação: Coleta dos dados que as diferentes fontes proporcionaram, selecionando e classificando esses dados.
  5. Elaboração das conclusões: Documentação dessas conclusões referentes ao tema proposto.
  6. Generalização das conclusões e síntese: Com as contribuições do grupo e as conclusões obtidas, o docente elabora as leis, os princípios e os modelos que se deduzem do trabalho realizado.
  7. Exercícios de memorização: Individualmente, os estudantes realizam esses exercícios para recordar o processo de pesquisa, as conclusões e síntese do projeto.
  8. Prova ou exame: A critério do docente em relação ao formato, os alunos respondem a questões sobre o conteúdo.
  9. Avaliação: O Docente comunica aos estudantes o resultado final, tendo como base a avaliação de prova/exame e suas observações de desempenho durante toda a sequência (lembrando que a última é extremamente importante para avaliar engajamento).

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