Esse é o primeiro artigo da série sobre gamificação.

Passei grande parte de minha infância e adolescência aproveitando o que tínhamos de melhor: brincadeiras e jogos. Éramos um grupo grande de amigos e aproveitávamos os dias e noites inventando jogos ou readaptando os já existentes. Imagem e Ação, Gata Cega, Pique-Esconde, Amarelinha, entre tantas outras opções que faziam do tempo algo imperceptível diante de tantas distrações. Horas e horas envolvidos na construção, organização de regras, definição de papéis, estratégias de jogos e readaptação. Aprendemos muito, divertimo-nos muito, erramos e acertamos diversas vezes sem medo ou preocupações.

Há quem diga que brincar é besteira, porém brincar é coisa séria. Inclusive é mais antigo e universal do que imaginamos. Não somos a única espécie que gosta de brincar. Outros animais também se divertem dessa maneira e utilizam da própria brincadeira como gatilho para a união, segurança e adaptabilidade dos seus grupos.

Para os seres humanos, a brincadeira pode ser vista como um processo biológico importantíssimo. Contribui ativamente para a formação de nossas conexões cerebrais, faz com que sejamos mais habilidosos, possibilita a promoção da empatia e nos ajuda na formação de nossos próprios grupos. Além disso, ao longo de todo nosso ciclo vital, nos torna mais criativos e inovadores.

Por esse motivo, faremos uma série com três artigos relacionados a esse tema. Além dos jogos em geral, falaremos sobre sua estrutura, sobre o termo gamificação e explicaremos como utilizá-lo na prática. Começando pelo básico, esse primeiro artigo falará sobre o que são os games e como são pensados.

Quando falamos de jogos, a idade simplesmente não importa. Qualquer geração gosta de se aventurar pelos jogos: crianças e adultos encontram, nesse tipo de atividade, prazer e satisfação. Elas, inclusive, não têm a intenção de parar de jogar, isso significa que os jogos têm grande poder sobre nós e são responsáveis por grandes mudanças de comportamento.

Por definição, os games são a superação voluntária de algum problema ou de obstáculos fictícios. Se trata de uma atividade ou ocupação sem compromisso em um sistema no qual os jogadores se engajam. São desafios abstratos com regras, interação e feedback. Tão importante quanto os outros itens, o game é uma abstração da realidade.

Johan Huizinga cita, em seu livro chamado Homo Luden, o termo Círculo Mágico, em que conceitua como o espaço físico onde o jogo ocorre. Para ele, há separação entre o mundo real e o mundo imaginário dos games. É possível ilustrar sua percepção através da imagem.

8 características fundamentais que conceituam os jogos:

  1. Os games são capazes de mudar comportamentos.
  2. São, aparentemente, sem propósito ou objetivos específicos no dia-a-dia “real” das pessoas.
  3. Fomentam o voluntarismo, pois as pessoas jogam sem nenhum tipo de obrigatoriedade.
  4. Criam potencial para improviso ou resolução de problemas de forma criativa.
  5. Fomentam o desejo de continuar jogando e se divertindo.
  6. Possibilitam ao jogador o poder de fazer escolhas.
  7. Atribuem sentido de liberdade.
  8. Desenvolvem senso ético para obedecer as regras propostas.

Afinal, por que jogamos?

Se não há nenhum tipo de obrigação, o que nos motiva? Podemos dizer que o fator principal é justamente a diversão. No entanto, há outros fatores que também nos engajam:

  • Trazem a sensação de “libertação do tempo”.
  • Quando jogamos podemos experienciar outras histórias (assim como lendo um livro).
  • Nos fazem sentir em estado de flow - quando ficamos totalmente imersos no que estamos fazendo.
  • Nos sentimos “autorizados” a tentar e errar sem medo das consequências.
  • Criam um mundo paralelo onde há evasão da vida real, o famoso “faz de conta”.

A estrutura de um game

Um game só consegue ser estruturado a partir da combinação de experiências e elementos. Eles compõem tanto a parte técnica do jogo quanto a interlocução entre o jogador (ou jogadores) e as emoções, objetivos e desafios se pretende explorar e alcançar.

Experiência

A experiência é o entorno do jogo e está associada ao layout e à estética. Ela gera a credibilidade necessária para que haja senso de segurança dentro do sistema ou plataforma. Como exemplo, podemos citar o jogo Minecraft que possibilita que os jogadores criem seus próprios mundos e tenham experiências de sobrevivência neles. Oportuniza ao jogador um local onde ele sinta que de fato está explorando ou desbravando. Além disso, a jogabilidade indica como se dão as caixas de ferramentas, os utensílios, o que deve ser feito dentro do jogo. O jogador compreende aquele espaço e tempo.

Também está associado à jornada desse jogador, suas expectativas, desejos e anseios. O que ele sente ao estar no jogo e como ele se engaja para continuar. Para que a experiência funcione, ela precisa trabalhar em parceria com o funcionamento do game, que está associado tanto aos elementos quanto às próprias regras e objetivos do jogo.

Elementos

Os elementos são padrões que podem ser combinados de diferentes maneiras para que você construa o seu jogo. Para isso, é necessário a existência de um jogador interagindo com o sistema, uma realidade que só existe no contexto dos games. Antes de pensar nos elementos, é importante compreender os objetivos e onde se deseja chegar com o desenvolvimento do jogo, só assim serão feitas as melhores escolhas de elementos.

Tais elementos podem ser definidos como: pontuação, níveis, feedbacks constantes, entre outras possibilidades. É importante ressaltar que, apesar de extremamente importantes, não configuram o game em si. Inclusive, a forma como os utilizamos podem engajar ou proporcionar o inverso. Outro fator importante de destacar é que muitos deles foram desenvolvidos a partir de estudos da pedagogia e psicologia comportamental.

A imagem abaixo ilustra a composição de um game e mostra qual o papel dos elementos, que estão divididos entre dinâmica, mecânica e componentes.

Baseado em: http://www.fermentonosnegocios.com.br/elementos-gamificacao-para-equipes

Dinâmica: Localizada no topo da pirâmide, está associada às experiências. É responsável por construir a coerência do jogo. Encontramos na dinâmica os elementos de emoção. Com a utilização desse elemento nós podemos:

  • Permitir que o jogador faça escolhas significativas e tenha a capacidade de encontrar os caminhos possíveis para o desenrolar do jogo, incentivando o pensamento estratégico e criativo.
  • Utilizar emoções para o alcance de objetivos.
  • Construir um sentimento de coerência que se dá através de uma narrativa de jogo, ou seja, apresentar um contexto e estar conectado ao propósito central do jogo.
  • Mostrar que o jogador está progredindo no jogo através de fases ou pontos, por exemplo.
  • Estabelecer relacionamentos e a interação entre as pessoas, que podem ser feitos com elementos para dinâmica social: chats, comentários, colaboração de atividades, entre outros.

Mecânica: está relacionada com a ação do jogo, como por exemplo: desafio, sorte, cooperação e competição, aquisição de recursos, recompensas, transações, entre outros. Com a utilização da mecânica podemos:

  • Perceber os desafios que são propostos.
  • Proporcionar a sensação de sorte (aleatoriedade), como conseguir uma vida ou ganhar algumas moedas exclusivas.
  • Estabelecer objetivos que sejam alcançáveis. Importante manter feedback constante.
  • Incluir a aquisição de recursos e recompensas ao longo do jogo como possibilidade de ação.
  • Possibilitar a compra, vende ou troca de objetos e itens.
  • Realizar turnos de jogos. Um exemplo é o caso da Fazendinha do Facebook, a qual era preciso esperar determinado tempo para seguir com a interação.

Componentes: o jeito como a dinâmica e a mecânica serão representadas. São eles:

  • Realizações: recompensas por cumprir desafios.
  • Avatares: representação visual e virtual do personagem.
  • Badges: forma visual dos desafios ou objetivos alcançados (troféus, medalhas).
  • Boss fights: parte difícil do jogo necessária para passar de um nível para outro, o “chefão”.
  • Coleções: coletar objetos, itens e aprendizados ao longo do game.
  • Combate: luta a ser travada.
  • Desbloqueio de conteúdo: fazer algo para ganhar acesso a mais conteúdos.
  • Doar: altruísmo ou doações.
  • Placar: ranqueamento de jogadores.
  • Níveis: graus diferentes de dificuldade.
  • Pontos: contagem de pontos acumulados durante o jogo.
  • Investigação ou exploração: alcance de resultados em um contexto.
  • Gráfico social: game como extensão da vida social, como os jogos no Facebook.
  • Bens virtuais: coisas virtuais pelas quais os jogadores estão dispostos a pagar com moeda virtual ou real.

Além da estrutura de um game, outro elemento a se considerar é a motivação de cada um. Ela é a condição do organismo que influencia nossos comportamentos e o que sentimos e está diretamente relacionada com nossos impulsos e modo de agir. Ela pode ser interna ou externa. A interna é quando vem de dentro para fora, é parte dos nossos desejos ou anseios. Já a externa está relacionada ao meio em que vivemos. É possível que sigamos tendências ou sejamos movidos por medos, incertezas e inseguranças.

A motivação é um ponto extremamente importante quando falamos dos games, já que nós não aspiramos as mesmas coisas e estamos sempre em busca dos nossos próprios objetivos. No entanto, é consenso que nós gostamos de sentir satisfação e prazer naquilo que fazemos, ou seja, buscamos constantemente emoções positivas e até diversão. Por isso, é necessário achar esse equilíbrio entre as diversas motivações para que o game funcione e atinja o maior número de pessoas.


Fizemos um resumo do que é e como se estrutura um game. No próximo artigo dessa série, falaremos sobre a gamificação em si e como aplicar esses elementos em outras áreas da vida. Acompanhe!

Fonte da imagem de capa: Pexels