Há 100 anos nascia o brasileiro que viria a se tornar uma das maiores referências mundiais na área da pedagogia. Hoje patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire foi o grande influenciador do movimento da pedagogia crítica e autor da obra Pedagogia do Oprimido.

Muito mais do que um artigo, hoje queremos fazer uma homenagem. Vamos falar um pouco mais sobre a história, legado e influência mundial de Freire na educação.

Educando de forma revolucionária

Nascido em Recife no ano de 1921, Freire dedicou-se aos estudos de filosofia de linguagem e, apesar de ter se formado em Direito, nunca exerceu a profissão e optou por desenvolver seu trabalho como professor de língua portuguesa.

O primeiro marco de carreira como educador aconteceu em 1963,  quando conseguiu alfabetizar 300 adultos em um período de 45 dias, utilizando o seu próprio método de ensino. Hoje, esse modelo de alfabetização é conhecido como Método Paulo Freire.

Muito além de apenas ensinar a ler e a escrever, o seu desejo era de ensinar a pensar criticamente com base nas experiências de vida cotidianas. Justamente por isso, tudo relacionado a Freire e o seu método tinha uma grande base política. Em uma de suas obras mais aclamadas, Pedagogia do Oprimido, ele nos conta um pouco mais sobre a sua visão pedagógica e a importância de educar para cidadanizar.

“Não existe tal coisa como um processo de educação neutra. Educação ou funciona como um instrumento que é usado para facilitar a integração das gerações na lógica do atual sistema e trazer conformidade com ele, ou ela se torna a ‘prática da liberdade’, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a realidade e descobrem como participar na transformação do seu mundo.”

Freire transformava o olhar das pessoas sobre o processo de alfabetização e, com isso, acabava questionando todas as formas de opressão social e segregação educacional. Assim, com o golpe ditatorial em curso e a ascensão dos militares ao poder em 1964, foi acusado de subversão, preso por mais de 70 dias e posteriormente exilado no Chile.

Enquanto inimigo político do então Estado brasileiro, Paulo Freire não desistiu de continuar o seu trabalho. Agora no Chile, começou a atuar no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária (Icira) e desenvolveu todo o seu pensamento ao escrever a obra Pedagogia do Oprimido, em 1968.

Educação Libertária

Entre 1960 e 1970, o Brasil registrava uma marca assustadora de quase 40% de analfabetos. Essa questão foi o centro de todas as teorias de Paulo Freire, que desenvolveu um trabalho pedagógico focado em ensinar e conscientizar as pessoas sobre os seus poderes como agentes transformadores da sociedade.

Conforme o próprio educador explica, os altos números de analfabetismo estavam inteiramente ligados à exploração histórica da força de trabalho e opressão social constante das classes financeiramente mais baixas. Em suma, Freire defendia que uma população não alfabetizada era a expressão concreta da injustiça social.

“A alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse capaz de fazer instrumento também do educando e não só do educador.”

Paulo Freire se opôs ferrenhamente à ideia de que ensinar era transmitir conhecimento entre professor e aluno. Para ele, o processo educacional é uma construção que se desenvolve com base nos saberes individuais e experiências sociais anteriores de cada indivíduo. Todo esse trabalho, portanto, só pode ser efetivo quando com diálogo, atenção e compreensão das necessidades por parte do educador.  

Trabalhar o ser como pensante e ajudá-lo a construir o seu próprio conhecimento crítico é, então, o papel primordial do professor para Freire. Ele diz que ninguém educa ninguém e ninguém educa-se sozinho, ou seja, a educação surge da relação simbiótica entre educador e educando sem hierarquizações e tendo o mundo e a realidade individual e coletiva como fio condutor do processo.

“Transformar os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar o pensamento e a ação, leva homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e inibe o seu poder criativo.”

Assim, Freire desenvolveu a sua teoria diferenciando o que chamou de os dois tipos de educação: bancária e libertadora. A primeira, amplamente utilizada em salas de aula e com foco expositivo e limitante, e a segunda, desenvolvida e defendida por Freire, problematizadora e com base na comunhão, crítica social e pensamento político.

Educação Bancária: Na visão do educador, esse método transforma o aluno em um grande banco, ou seja, o professor apenas deposita o seu conhecimento já pronto no estudante. De acordo com ele, o aluno seria um espaço (ou cofre) completamente vazio que o professor começa a preencher com sua própria visão de aprendizado e suas próprias experiências de vida, na esperança de enchê-lo completamente. Assim, o futuro desse aluno nada mais será do que absorver as ideias e pensamentos de terceiros e tentar encaixá-las em sua própria realidade.

Educação Libertária: Questionando tudo à sua volta e participando ativamente dos encontros, o aluno desenvolve o seu próprio pensamento. Isso acontece porque, segundo Freire, o professor não deve ser apenas um transmissor de mensagem, mas sim um incentivador de curiosidades. Dessa forma, o aluno se torna capaz de questionar o mundo, a forma com que a sociedade se estrutura, e buscar por soluções para não se conformar facilmente.

Paulo Freire e sua influência internacional

A obra do educador, apesar de rejeitada e atacada pelo atual governo brasileiro, internacionalmente figura como uma das mais importantes do mundo. O livro Pedagogia do Oprimido, que mencionamos acima, é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos da área de humanidades no mundo todo.

Diversos países incentivam e cultuam a história e legado de Paulo Freire. Na Alemanha, por exemplo, existe uma sede do Instituto Paulo Freire e da Sociedade Paulo Freire que se dedica a projetos educacionais. Assim como a Cooperação Paulo Freire, que também possui sede no norte do país, e é mais um dos projetos inspirados na obra do educador.

Recentemente o país europeu passou a utilizar o método de aprendizagem do educador na integração de refugiados ao país. Essa é uma notícia trazida ao Brasil pelo portal alemão Deutsche Welle, que entrevistou o professor Heinz-Peter Gerhardt, doutor em Educação pela Universidade de Frankfurt, para explicar um pouco mais sobre esse projeto. Ao ser questionado sobre a importância de Freire na Alemanha, ele afirmou:

"A influência de Paulo Freire na Alemanha é muito grande. Ele é visto como um dos grandes nomes da pedagogia, ao lado de Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau, Rudolf Steiner e Maria Montessori. Ainda hoje os livros dele são muito usados em universidades, há inúmeros trabalhos universitários que utilizam as obras dele"

Em outros países Freire é homenageado com estátuas, nomeia centros educacionais e tem sua obra aclamada e amplamente estudada em diversas Universidades. Em resumo, a grande obra e contribuição política de Paulo Freire o tornou um dos maiores expoentes acadêmicos e sociais que o mundo já viu.

Crédito da foto de capa: Alice Hattori


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