Tudo que aconteceu nos âmbitos social, cultural e político dos últimos séculos moldaram o que entendemos hoje como contemporaneidade. Nas últimas décadas, entretanto, o mundo passou por um processo de reconhecimento muito maior em relação às transformações e mudanças necessárias para a garantia do bem-estar social. A partir disso, ações mais incisivas e reformulações políticas passaram a ganhar maior evidência e espaço nas discussões.
A exemplo disso temos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, desenvolvido pela Organização das Nações Unidas em parceria com entidades e governos, como uma cartilha de diretrizes e ações a serem tomadas em prol da melhoria na qualidade de vida da população.
Focando um pouco mais nas transformações envolvendo a educação, hoje vamos desmembrar um pouco mais sobre o último relatório desenvolvido pela Comissão Internacional sobre o Futuro da Educação, nomeado pela UNESCO, chamado de “Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”.
O propósito do Relatório
Desenvolvido entre 2020 e 2022, o Relatório da UNESCO traz a proposta de estabelecermos um novo contrato social para a educação do futuro, ou seja, um conjunto de diretrizes para que possamos, enquanto sociedade, transformar a forma com que os futuros cidadãos e profissionais estão sendo formados e buscar por uma pedagogia muito mais diversa, inclusiva e baseada na cooperação e solidariedade.
Segundo António Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa e um dos pesquisadores envolvidos na construção do documento, mais de 1 milhão de pessoas foram consultadas em rodas de conversa, debates e amplas discussões para se compreender o que cada um espera para o futuro da educação. Em uma entrevista recente para a Revista do Ensino Superior, António afirmou que:
“Eu, pessoalmente, considero que o modelo escolar tem de ser alterado, mas preservando a dimensão pública da educação, preservando espaços de relação pedagógica entre professores e alunos, preservando um trabalho sobre a ideia de que a escola e a pedagogia são, sobretudo, espaços comuns – e nada disso se faz em casa.”
Os pilares desse novo contrato social
O relatório para que se pense no futuro, convida o leitor a imaginar como será a educação em 2050, levando em consideração a concepção dos direitos humanos de inclusão, responsabilidade coletiva, equidade e etc. A partir disso, estabelece 3 perguntas norteadoras: O que devemos continuar a fazer? O que devemos abandonar? O que deve ser reinventado de maneira criativa? Aliado a elas, define dois princípios básicos e fundamentais:
- Conforme estabelecido no art.26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é dever social assegurar o direito à educação de qualidade ao longo da vida. Ou seja, esse direito é a base desse contrato social e deve abranger o acesso à informação, cultura, ciência, contribuição de conhecimentos comuns e os acervos de conhecimentos coletivos construídos ao longo da história da humanidade.
- Fortalecer a educação como um esforço público e um bem comum, afinal é apenas a educação que permite que indivíduos únicos e enquanto comunidade possam florescer juntos. Portanto, o segundo princípio desse contrato social diz respeito a responsabilidade do setor público nos investimentos educacionais, tendo um compromisso de impulsionar as discussões com as comunidades, tornando a construção dessa nova pedagogia um esforço coletivo e participativo.
Renovando a educação
Logo na introdução do documento, a Presidente da Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação e Presidente da Etiópia, Sahle-Work Zewde afirma que a educação é o principal caminho para enfrentar as desigualdades enraizadas e que é urgente uma transformação no modelo das salas de aula considerando a natureza mutável do trabalho e do desenvolvimento econômico.
“O financiamento educacional mundial deve ser ampliado para garantir que o direito universal à educação seja protegido. O respeito pelos direitos humanos e a preocupação com a educação como um bem comum devem se tornar as linhas centrais que costuram o nosso mundo compartilhado e o nosso futuro interconectado.“
O que o relatório propõe em suas diretrizes?
- Que a pedagogia deve ser organizada com base nos princípios de cooperação, colaboração e solidariedade, promovendo as capacidades intelectuais, sociais e morais dos estudantes a fim de que sejam colaborativos, atuem em comunhão e transformem o mundo com empatia e compaixão.
- Uma transformação curricular para que se introduza compreensões ecológicas, interculturais e interdisciplinares, com foco em desenvolver a crítica e reequilibrar a maneira pela qual nos relacionamos com a Terra enquanto planeta vivo e nosso único lar. Descreve ainda que “A disseminação de desinformação deve ser combatida por meio da alfabetização científica, digital e humanística, que desenvolva a capacidade dos estudantes de distinguir a falsidade da verdade.”
- Professores devem ser reconhecidos por seu trabalho como produtores de conhecimento e figuras fundamentais na transformação educacional e social. Além disso, a reflexão, pesquisa e criação de conhecimento devem se tornar parte fundamental do processo de ensino e aprendizagem, com os professores tendo sua autonomia e liberdade asseguradas para que possam participar e instigar os alunos no pleno debate e diálogo sobre o futuro da educação.
- Escolas devem ser espaços protegidos, que apoiem a inclusão e bem-estar individual e coletivo de alunos, professores e comunidade do entorno. Além disso, sua arquitetura, espaços, horários e cronogramas de aula precisam ser reelaborados para incentivar a permitir que os indivíduos trabalhem juntos.
- Em todos os momentos de suas vidas, as pessoas devem ter oportunidades educacionais significativas e de qualidade. Quando conectamos os locais de aprendizagem (sejam eles físicos ou virtuais) aproveitamos de forma cuidadosa os melhores potenciais de cada um deles. Por isso, o direito à educação deve ser ampliado para permanecer em vigor ao longo da vida e abranger o direito à informação, cultura, ciência e conectividade.
A chamada para a ação!
Ao longo de quase 200 páginas, a Comissão Internacional sobre o Futuro da Educação desmembra cada um desses princípios base e traz, ainda, contexto histórico e possibilidades concretas de mudança para que todas as diretrizes possam ser colocadas em prática.
“Uma agenda comum deve ser construída em conjunto por meio de amplos processos de participação e tomada de decisão conjunta. Deve-se abordar a tensão entre o pensamento de longo prazo para administrar para o futuro e a urgência de intervir no presente para corrigir as desigualdades e exclusões educacionais herdadas do passado.”
Conforme apontado no Relatório, é de suma importância que quaisquer decisões sejam tomadas com base em dados e geração de conhecimento e evidências científicas. Entretanto, ressalta que, até o momento, os atores mundiais não foram capazes de reunir e coordenar investimentos para maximizar a disponibilidade e a utilidade de evidências e dados internacionais.
“O financiamento de pesquisas, evidências e dados internacionais é um grande desafio na educação [...]. Novas opções para melhorar o financiamento mundial para pesquisa, conhecimento e evidências devem ser consideradas, por exemplo, por meio do estabelecimento de um fundo comum previsível para conhecimento educacional e geração de evidências sob a responsabilidade de um grupo de agências da ONU.”
Por fim, a Comissão faz um chamado para que as entidades governamentais trabalhem em conjunto a fim de produzir propósitos compartilhados e soluções comuns para os desafios educacionais. Mas não apenas, inclui também atores não estatais e comunidade geral para construir uma ação de cima para baixo em uma cooperação ampla.
“A cooperação internacional deve operar a partir de um princípio de subsidiariedade, apoiando e capacitando os esforços locais, nacionais e regionais para enfrentar os desafios.[...] Mais do que nunca, precisamos fortalecer a aprendizagem mútua e a troca de conhecimento entre sociedades e fronteiras – tanto em áreas centrais, como acabar com a desigualdade educacional e a pobreza e melhorar os serviços públicos, quanto para enfrentar os desafios de longo prazo trazidos pela automação e digitalização, migração e sustentabilidade ambiental. Plataformas conjuntas e novas fontes de financiamento são necessárias para garantir ambas as dimensões do conhecimento mundial e dos dados para o progresso educacional.”
Você pode conferir o relatório completo, clicando aqui.